Há uns anos, o veganismo estava na crista da onda. Abriam lojas vegetarianas e os supermercados começavam a oferecer novos produtos vegetais, abriam restaurantes veganos em cada esquina e os tradicionais começavam a oferecer opções de base 100% vegetal com qualidade nunca antes vista e claro as redes sociais vibravam com receitas de queijo de caju e seitan caseiro. Era a revolução verde, que prometia um futuro mais ético, saudável e sustentável.
Hoje, o panorama é diferente. E o paradoxo é fascinante: nunca foi tão fácil ser vegano, mas muitas pessoas estão a desistir. O caso de 2025 mais mediático foi o de Ali Tabrizi, realizador do documentário impactante “Seaspiracy”, que recentemente anunciou que tinha deixado o veganismo após 4 anos, citando questões de saúde. A sua decisão, envolvendo o consumo de marshmallows – um produto de origem animal, com muitas versões vegan que se encontra em todo o lado e é socialmente aceite – acendeu um debate intenso e revela uma verdade inconveniente: a acessibilidade dos produtos não é, por si só, suficiente para sustentar um compromisso vitalício.
Muitos negócios que floresceram nessa época dourada enfrentam tempos difíceis. Os custos de produção dispararam, a inflação pressiona os orçamentos familiares e algumas marcas icónicas têm dificuldade em manter-se à tona. Nas redes sociais, testemunhamos amigos que antes abraçaram o veganismo com paixão a darem pequenos passos atrás.
Isto significa que o veganismo está em declínio? Absolutamente não. Significa que está a amadurecer. Está a separar o que era uma tendência passageira do que é, de facto, um compromisso genuíno com um estilo de vida.
O Que Leva Muitas Pessoas a Desistir?
A maior barreira para manter um estilo de vida vegano, muitas vezes, não está no prato, mas na mesa. Está na complexidade das nossas relações sociais:
A Solidão à Mesa:
Enquanto todos partilham uma pizza com queijo, tu ficas com a salada sem molho. Este cenário, repetido em jantares de família, festas de amigos ou almoços de trabalho, pode ser profundamente desgastante. O sentimento de ser “o diferente”, de criar “incomodidade” aos outros, pesa.
A Falta de Estrutura de Apoio:
Quando a motivação inicial (um documentário, um livro) desvanece, a realidade do dia a dia instala-se. Sem uma comunidade para partilhar frustrações e vitórias, a tentação de ceder é maior. A história de Ali Tabrizi mostra que até os rostos mais públicos da causa não são imunes a esta pressão.
O Esgotamento da Vigilância Constante
Ler todos os rótulos, questionar todos os ingredientes e justificar constantemente as nossas escolhas é mentalmente exaustivo. Por vezes, a simples perspetiva de um jantar fora pode gerar ansiedade, não antecipação. A tentação de ceder a um produto comum, que nos traga memórias, como ovos, torna-se um atalho para a “normalidade”.
A Pizzeria Ragazzo em Espinho oferece pratos de base 100% vegetal ou adaptáveis
Como Ser Vegano e Feliz num Mundo Não-Vegano?
Manter o rumo é possível, e a felicidade é perfeitamente compatível com o veganismo. Eis algumas dicas para construíres uma base sólida e resiliente:
1. Encontra a Tua Tribo (mesmo que online): Procura grupos locais de veganismo ou fóruns online. Partilhar experiências com quem compreende a tua jornada é um antídoto poderoso contra a sensação de isolamento que leva muitos a desistir.
2. Domina Receitas “Para Levar”: Tens um jantar de família? Leva um prato delicioso e partilhável. Mostras como a comida vegana pode ser saborosa e garantes que tens algo substancial para comer. É uma vitória para todos.
3. Foca-te no “Porquê”: Nos dias mais difíceis, reconecta-te com a tua razão fundamental. Foi pelos animais? Pelo planeta? Pela tua saúde? Escreve esse “porquê” e mantém-no visível. Ele será a tua âncora, a memória que te impede de ceder à conveniência de um produto que está em todo o lado.
4. Adota o Progresso, não a Perfeição: Cometeste um erro? Não stresses. O veganismo é uma jornada de redução de danos, não um teste de pureza. Aprende com o deslize e segue em frente. Uma escolha menos ética não invalida centenas de outras mais éticas.
5. Sê Estratégico com o Orçamento: Perante o aumento de custos, volta ao básico. Leguminosas (feijão, lentilhas, grão), cereais integrais (arroz, massa) e vegetais da época são a base de uma alimentação vegana nutritiva e acessível. Cozinhar em casa é, quase sempre, a opção mais económica e saudável.
O caminho do veganismo nem sempre é uma linha reta. Tem altos e baixos, desafios e vitórias. A verdadeira força do movimento não está nos picos de popularidade, mas na resiliência silenciosa de quem, todos os dias, faz escolhas conscientes. É uma mudança cultural profunda, e essas levam tempo a enraizar.
Hoje celebra-se o Dia Mundial da Alimentação, e num mundo que enfrenta desafios sociais e económicos cada vez mais profundos, é natural que o veganismo também atravesse uma fase mais sombria. Os custos de vida crescentes e as pressões do dia a dia levam muitos a questionar escolhas que, em tempos, pareciam inabaláveis. No entanto, é precisamente em momentos como este que a essência do movimento se revela: não se trata de uma moda para tempos de abundância, mas de um compromisso ético e sustentável que se adapta e resiste mesmo quando o caminho se torna mais difícil. Esta pode ser a fase em que separamos o que é passageiro do que é, de facto, um estilo de vida resiliente e consciente.
Continua! O teu prato é um ato de compaixão, e a tua perseverança é um farol para outros. O futuro é vegetal, mas será construído por pessoas reais, com desafios reais – como tu.