Quando era mais nova, lembro-me de adorar a mozzarella de búfala, até descobrir que não era feita de leite de vaca. Essa revelação incomodou-me tanto que decidi parar de a consumir. Na altura, com apenas 10 ou 11 anos, foi a minha primeira experiência em perceber a diferença entre os animais não humanos e a forma como eram explorados.
Hoje, com uma consciência mais ampla, não consigo compreender por que, em pleno século XXI, ainda se continua a utilizar animais não humanos para fins alimentares, quando existem tantas alternativas disponíveis. As inovações alimentares de hoje, como a aquafaba ou a proteína de tremoço, são exemplos brilhantes de como podemos beneficiar não só a nossa saúde, mas também respeitar e proteger os direitos dos seres não humanos. É tempo de repensar as tradições e abraçar soluções que promovam uma alimentação mais ética e sustentável.
É por isso que gostaria de partilhar com vocês uma notícia que precisei verificar várias vezes para ter certeza de que não foi publicada no dia 1 de abril.
Um grupo de cientistas polacos realizou uma pesquisa para testar se o leite de égua poderia ser utilizado na produção de gelado. Os resultados mostraram que o gelado feito com este leite tem a textura e aparência adequadas e apresenta metade da gordura em comparação ao gelado tradicional feito com leite de vaca. O estudo foi motivado pelo crescente interesse em explorar novas fontes alimentares, como o leite de égua, devido ao seu potencial nutritivo.
Jornalistas de vários jornais decidiram averiguar se o gelado de leite de égua era realmente saboroso. Para isso, visitaram Frank Shellard, o único produtor de leite de égua no Reino Unido, recolheram o leite e transformaram-no em gelado, seja por iniciativa própria ou através de uma empresa especializada. Algumas reportagens abordaram o possível “fator de repulsa” que os consumidores podem sentir em relação ao produto, mas também destacaram os benefícios para a saúde. Shellard, por exemplo, afirma que beber um copo diário de leite de égua reduziu o seu colesterol pela metade. No entanto, estas publicações raramente levantam a questão: devemos realmente procurar novos animais para integrar a indústria de laticínios?
Diversidade alimentar no caminho errado?
Por que razão alguém precisaria de consumir leite de égua? O estudo polaco sugere que, à medida que mais pessoas se preocupam com a saúde, cresce a procura por alimentos ricos em nutrientes. O leite de égua poderia, teoricamente, preencher essa necessidade. Contudo, é necessário explorar mais animais para esse fim quando já temos tantas alternativas vegetais disponíveis? O leite de soja fortificado, por exemplo, é uma opção saudável, com um teor proteico semelhante ao do leite de vaca, mas com menos gordura saturada e zero colesterol.
Além disso, várias empresas estão a inovar na criação de alternativas lácteas à base de plantas. Na Nova Zelândia, uma empresa está a desenvolver substitutos lácteos funcionais feitos de leguminosas, enquanto na Suécia, uma outra utiliza a fermentação para criar queijos à base de leguminosas com uma textura semelhante à do queijo tradicional. Em vez de diversificar a agricultura animal, poderíamos estar a concentrar-nos na diversificação das culturas agrícolas e a usar tecnologias como a fermentação de precisão para aumentar o valor nutricional dos alimentos. Atualmente, 90% das nossas calorias provêm de apenas 30 espécies vegetais, o que compromete a nossa saúde e segurança alimentar.
Embora muitas reportagens sobre o estudo polaco mencionem que a ideia de beber leite de égua possa causar desconforto, não exploram a questão central: o leite de égua, tal como o leite de vaca, é destinado às suas crias. Convencer o público a aceitar o leite de égua parece tão desnecessário quanto persuadi-los a consumir hambúrgueres de insetos em vez de carne. Se realmente queremos promover alternativas mais saudáveis e sustentáveis, os alimentos de origem vegetal continuam a ser a melhor escolha.
Transformar éguas em vacas leiteiras?
Atualmente, a produção de leite de égua por Shellard é limitada, conta com menos de 100 clientes regulares. Mas o que aconteceria se o leite de égua se popularizasse?
A crescente procura por leite de vaca transformou a indústria de laticínios em algo altamente intensivo e mecanizado. As vacas foram geneticamente selecionadas para produzir quase o dobro da quantidade de leite que produziam há 40 anos. Como resultado, sofrem com problemas de saúde como a mastite (uma inflamação dolorosa das glândulas mamárias) e problemas nos cascos, causados por longos períodos em superfícies duras. Além disso, as vacas têm de dar à luz anualmente para manter a produção de leite, e os seus bezerros são retirados logo após o nascimento. Embora as vacas possam viver até 20 anos, são geralmente abatidas aos cinco, quando a sua produtividade diminui.
Queremos ver os cavalos passarem por algo semelhante? Já houve uma condenação generalizada em relação aos planos para criar polvos para alimentação devido a preocupações éticas e ambientais. O mesmo pensamento deveria ser aplicado aos cavalos, ou a qualquer outra espécie que possa ser explorada de forma semelhante.
Cavalos já sofrem exploração
Criar cavalos para a produção de leite apenas aumentaria o número de formas em que estes animais inteligentes e sensíveis são explorados para fins comerciais.
Em muitos países, como França, México e Japão, a carne de cavalo é consumida. Esses animais são criados para o abate ou enviados para o matadouro após se aposentarem das corridas ou do trabalho em carroças. Em algumas partes do mundo, como América do Sul e Islândia, existem coudelarias onde o sangue de éguas grávidas é extraído para obter a hormona PMSG, usada na reprodução industrial de porcos. Investigações revelaram abusos graves nessas coudelaria, onde as éguas são imobilizadas e têm cânulas grandes inseridas nas suas veias.
Cavalos usados para entretenimento também sofrem abusos e, frequentemente, morrem devido a lesões causadas pelo esforço excessivo. Todos os anos, dezenas de cavalos morrem em pistas de corrida no Reino Unido, e o destino de muitos após areforma é incerto. Recentemente, uma famosa cavaleira de adestramento foi banida das Olimpíadas de Paris após ter sido apanhada a chicotear repetidamente um cavalo durante um treino. Outros cavalos em competições também sofrem abusos ou lesões graves.
A última coisa que os cavalos precisam é de mais uma forma de exploração. Os meios de comunicação podem ter um papel importante ao evitar promover novas formas de exploração animal, incentivando, em vez disso, alternativas mais éticas e sustentáveis.